sábado, 5 de janeiro de 2019


Quando me surpreendo ao fundo do espelho assusto-me. 
Mal posso acreditar que tenho limites, que sou recortada 
e definida. 
Sinto-me espalhada no ar, pensando dentro das criaturas, 
vivendo nas coisas além de mim mesma. 
Quando me surpreendo ao espelho não me assusto porque 
me ache feia ou bonita. 
É que me descubro de outra qualidade. 
Depois de não me ver há muito quase esqueço que sou 
humana, esqueço meu passado e sou com a mesma libertação 
de fim e de consciência quanto uma coisa apenas viva. 
Também me surpreende, os olhos abertos para o espelho 
pálido, de que haja tanta coisa em mim além do conhecido, 
tanta coisa sempre silenciosa."

Clarice Lispector

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